- Filho, você tem certeza? Já faz tanto tempo... E se ela... – minha mãe disse preocupada, parada ao lado de meu ônibus.
- Mãe, você sabe que eu preciso fazer isso. – Expliquei-lhe mais uma vez. – Ela não sai da minha cabeça e já faz dois anos, isso tem que significar alguma coisa. – Olhei para minha mãe, eu realmente esperava que entende-se o que eu estava sentindo, mas nem eu entendia. Ela sorriu, tentando ser compreensiva, me deu um beijo e se afastou, dando-me passagem para entrar.
O ônibus parou na rodoviária da cidade que eu não via há dois anos e uma onda de imagens, sonhos e conversas antigas voltaram a minha cabeça, não pude evitar sorrir. Havia se passado tanto tempo, mas ela nunca sumia. Eu poderia dizer que sim, mas não seria verdade, ela sempre estava lá, no cantinho, esperando o melhor momento para voltar e virar meu mundo de novo.
- Vitor! Aqui! Cara, como vai? Não acredito que você realmente veio! – Sai do meu pequeno transe e voltei à realidade, onde pessoas me empurrando de um lado para o outro, tentando passar por mim. Suspirei e fui cumprimentar Francisco, que (há dois anos) era meu amigo inseparável.
- Ei! Que saudades cara! Faz tanto tempo...
- Certo – ele disse rindo, enquanto pegava minha segunda mochila –, eu sei que você não voltou aqui por mim, então fala logo pelo que foi.
- Por que você acha que não foi por sua causa? E seu só quisesse fazer uma visita ao meu melhor amigo? – Sorri amarelo, tentando parecer convincente. Embora contássemos segredos um para o outro antigamente(certo, sei que isso parece estranho, digo, dois caras conversando de verdade, mas nós éramos assim), não queria conta-lo sobre o motivo da minha volta, ele não entenderia. E eu não o culpo, se fosse outra pessoa eu não conseguiria entender. Já se passaram dois anos...
- Ela ainda não saiu da sua cabeça? – Ele perguntou. E percebi (tarde de mais) que havia dito a ultima frase em voz alta. Dei de ombros e ele sorriu, mas logo mudou de assunto, contando-me sobre as mudanças da cidade e tudo o que havia acontecido desde que eu fora embora.
Francisco me levou ate sua casa e me deu tempo para tomar banho, disse que iria me levar a um lugar aonde poderia conhecer algumas pessoas, curtir a noite.
Depois de chegarmos a uma nova boate da cidade, Francisco me apresentou alguns amigos e algumas garotas. Não posso dizer que não me diverti.
- Ei, garçom! – tentei chamar, pela segunda vez. Ele não respondeu e eu me levantei – Pessoal, só vou lá pegar mais uma bebida – cheguei no balcão e pedi uma Coca, o garçom demorou para me servir e eu acabei sentando ali no balcão.
- Um suco de morando, por favor. – Uma voz feminina disse, não muito longe de onde eu estava. – Com gelo!
Olhei para o lado, procurando a dona da voz que me era tão conhecida, e me surpreendi a vê-la ali, alguns metros de mim, despreocupada. Seu cabelo continuava um vermelho maravilhoso, sua pele parecia delicada de longe e suas roupas estavam caindo perfeitamente em seu corpo mais modelado. Tive o impulso de levantar e ir falar com ela, mas me segurei, com medo de que ela não estivesse interessada ou – pior – não se lembrasse de mais de mim.
Fiquei parado, no balcão, admirando-a de longe, e só sai de lá alguns minutos depois que ela se afastou com seu suco de morango. Depois disso eu fui para casa, me sentia derrotado e esgotado.
- Vitor! Não acredito que você foi embora cedo! Aquela boate encheu depois da meia-noite. Além do mais, varias garotas me perguntaram de você. – Francisco disse, me sacudindo para que acordasse.
Não estava com a mínima vontade de levantar da cama, mas o fiz. Fiquei um tempo conversando com a Dona Julia, até Francisco entrar na cozinha, reclamando de eu ficar ali só conversando com sua mãe e me arrastar para a garagem, onde ele tocou um pouco de violão enquanto conversávamos.
- Fiquei sabendo que hoje vai ter uma festa. Quer ir? – Ele perguntou, fazendo um fá menor meio errado. – Uso obrigatório de mascaras.
- É, vai ser legal. Onde é?
Ele hesitou um pouco, fingindo estar concentrado no violão, mas por fim respondeu:
- Na casa da Pamela.
- Cara, você esta ridículo nessa mascara. Não seria melhor uma coisa mais... Discreta? – Caçoei de Francisco, olhando para sua mascara vermelha e dourada. – Acho que isso esta meio feminino.
- Ha ha. Por que você não me dá a sua, então? – Ele disse, com inveja, embora a minha também não fosse grande coisa, ela era azul escura e tapava os dois olhos de um jeito meio estranho, mas era bonita. Revirei os olhos e procurei mais fundo no baú de sua mãe.
- Certo, fique com a minha. – Disse-lhe entregando minha mascara – achei uma mais legal.
- Impossível, minha mãe disse que só tinham duas ai dentro. Mas mesmo assim, obrigado pela sua mascara, não vou trocar novamente. – Ele disse arrancando a mascara da minha mão.
- Eu não sei se a Dona Julia contou esse negócio vermelho como mascara, mas essa aqui definitivamente é uma. – Peguei a mascara e a coloquei.
Estávamos na sala, prontos para sair, quando Dona Julia apareceu.
- Já vão meninos? – Nos viramos para nos despedir, mas ela nos parou. Digo, me parou – Vitor! Você não pode sair assim! Não com essa mascara!
Francisco se aproximou da minha orelha e disse algo como Eu não vou trocar, você que vai ficar com a vermelha estranha. Bufei e respondi a Julia.
- Dona Julia, eu... Desculpa. Vou trocar de mascara. – Disse indo em direção ao quarto.
- Não é disso que eu estou falando, Vitor. Você pode usar a mascara, mas não pode usa-la com um calção! Essa mascara é clássica, você tem que usa-la com um terno!
Depois de Dona Julia me colocar um terno preto – que coube perfeitamente – finalmente conseguimos sair. Francisco parou na frente da casa de Pamela, e mais recordações vieram a minha mente, lembrei-me das tardes de domingo que passava aqui. Mas a casa estava diferente, toda enfeitada, cheia de pessoas entrando e saindo... Vi Pamela mascarada na porta da frente, cumprimentando todos que chegavam. Meu sangue gelou.
- Se perguntarem de mim, eu sou... Sou... Seu primo! Certo? – Sussurrei para Francisco.
Ele revirou os olhos e assentiu. Nos aproximamos da porta e Pamela disse, sorridente:
- Francisco! Que bom que você veio! – Ela o abraçou e então olhou para mim. – E... Quem é ele?
Senti um aperto no coração quando ela perguntou quem eu era. Tinha esperanças que ela me reconhecesse.
- Eu sou o primo dele. – Disse em uma voz hesitante. Pensei ter visto um brilho de reconhecimento nos olhos de Pamela, mas foi tão rápido que posso ter imaginado.
- Oi. – Ela disse, fazendo um sinal para que entrássemos.
- Cara, você tem que ir falar com ela! Por que você está amarelando tanto? – Francisco disse assim que nos afastamos.
- Eu... Eu não sei. – Admiti, derrotado.
- Prometa-me que vai falar com ela. Hoje. – Francisco me disse, sério.
- Certo. Eu... Prometo.
Ele me deu um soco amigável no ombro e se afastou, entrando na sala.
Passei umas duas horas no jardim, pensando no que falaria para ela, quando tivesse coragem. Embora na maior parte do tempo eu tenha apenas lembrando das tardes que nós passávamos juntos ali, bem onde eu estava sentado.
- Pamela, pode me explicar esse exercício? Não consigo entender nada. – Disse, sorrindo.
- Espera um pouco, só deixa eu terminar a questão cinco. – Ela disse, sem levantar os olhos do caderno de matemática.
Virei de costas e deitei no chão, como era relaxante estudar no jardim, vendo as árvores se mexerem acima de mim.
- Ei, seu folgado! Levanta! Eu não vou fazer o exercício para você! – Pamela disse, sorrindo e me fazendo cócegas.
- Isso não é justo! Eu comecei em desvantagem! – Disse entre risos, tentando me levantar. E acabei caindo por cima dela, nossos rostos quase se tocando.
- Vitor...
- Ei! Você! – Ouvi Pamela gritando atrás de mim. Virei para trás e ela suspirou, sentando ao meu lado. – Ah, é só você. Tudo bem? Eu sou a Pamela.
Assenti e olhei para frente.
- Desculpa, pensei que estivesse fumando. – Ela disse com as bochechas vermelhas.
- Sempre preocupada... – Disse baixinho, sorrindo.
- Oi? Ah, esqueça. Eu vou... Vou deixar você sozinho. – Pamela começou a se levantar e, num impulso, segurei seu braço.
Ela me olhou, assustada. Afrouxei minha mão em seu braço e olhei em seus olhos. E quando ela olhou nos meus, pude ver aquele brilho de reconhecimento em seus olhos novamente.
- Vitor...? – Ela disse em um sussurro.
E sem pensar direito eu tirei minha mascara e soltei seu braço, aproximando-me dela.
E a beijei pela segunda vez. Só que agora eu não a deixaria de novo.